Alma de Escritor

ESCRITORES DE ALMA NÃO ESCREVEM;
CEDEM SUAS MÃOS PARA SEREM USADAS
COMO INSTRUMENTO DIVINO.



quarta-feira, 13 de julho de 2011

Estou de Volta

De volta ao velho aconchego.
É isso ai! Depois de um merecido afastamento das postagens - por motivo justo -, afinal, não é fácil conciliar universidade com cotidiano, principalmente quando se está numa universidade federal cursando letras e, principalmente quando se busca atingir a meta projetada.
Aula num período e nos outros dois estudando, leituras, interpretações e trabalhos acadêmicos. Tudo de acordo! afinal, não existe crescimento sem dedicação. Evidente que esta não é a linha de raciocínio de todos que ingressam na universidade, prova disso é a evasão ocorrida já no primeiro semestre. De um total de quarenta calouros, chegamos ao final da primeira fase com apenas quinze alunos, para preocupação dos professores que disseram nunca ter visto tamanha evasão em início de curso.
Vários foram os questionamentos sobre os possíveis motivos; adivinhem qual a principal alegação? Pasmem... excesso de leitura e de escrita.
Resumindo: estamos num curso de letras, literatura e vernáculas e não queremos perder tempo lendo, escrevendo artigos, resenhas, ensaios e etc. Podemos dormir tarde e acordar cedo se for por motivo de festas, mas se for para construir nosso futuro, estamos fora. Este, certamente é o pensamento dos desistentes.
Bem! Felizmente não é unanimidade, prova disso, são os quinze guerreiros que chegaram ao final do semestre contabilizando notas ótimas. São quinze batalhadores conscientes e persistentes que certamente farão a diferença nos dias vindouros.
Parabéns a esse grupo e a todos que sacrificam horas de lazer e de sono em prol de um alicerçamento próprio que certamente estenderá benefícios a muitos outros.

Aproveitando os primeiros dois dias de férias, escrevi um conto que posto para deleite dos seguidores que ainda não abandonaram o blog, depois desta longa ausência.








Pluridialetalismo: A Babelística Brasileira

Celso da Silva (Protegido por Direitos autorais)

Embeveci meus olhos na infância, ao menos na mais tenra, com a visão de tanques de guerra, caminhões militares, jipes, canhões e milicos batendo coturnos no asfalto das grandes e largas avenidas das cidades em que morei. Uma viatura, em especial, “a pata choca”, atraía meu olhar e me mantinha com atenção pregada nela por todo o deslocamento. Poucos conhecem a legítima pata choca, por isso vou descrevê-la da melhor forma possível; era assim: a cara era de um jipe, bem! Mas nem todo mundo conhece as feições de um verdadeiro jipe militar; perai. Vou descrever detalhadamente alguns aspectos.
Quanto ao perai; antes que surjam críticas... pedirei-vos que respeitem a diversidade lingüística.
A fachada da pata choca, ou do jipe “Willis”, compunha-se de uma grade fronteando o radiador, e abaixo dela, por sobre o pára-choque, um rolo de cabo de aço segurando um gancho que, nos atoleiros, garantia a integridade da viatura. Ladeando as grades, dois faróis ressaltados por debaixo da pala - como se fosse um rosto debaixo de um boné engolido pelo capô -, onde apenas a pala tinha ficado de fora da boca e, não confundam boné, com “bibico”, este pertence ao fardamento militar, de passeio, e não tem pala, mas deixe estar, continuemos a entender a pata choca.
O frontal com cara de jipe e os faróis escondendo-se por debaixo da pala do boné, estampavam a figura caricata de um moleque levado espiando de esguelha. Mas o que mais encantava era a carroceria larga e escarranchada que alguns chamavam de “anca de boa parideira”, essa se parecia com a dita pata que, em tempos de choco arrepia as penas alargando demasiadamente a traseira para acobertar uma “renca” de ovos. Falando em “renca”, que quer dizer “muito”, e “bibico” que é um gorro de costura única e reta em cima fazendo dois bicos, solicito uma breve folheada no dicionário; os termos estão lá.
Para ser mais explícito, era uma carroceria em formato de lata de sardinha miúda que por sua largura permitia acomodarem-se muitos milicos, com certo conforto, exceto quando o motorista arrancava, freava bruscamente e o comandante mandava subir outro tanto; daí sim! Era uma lata de sardinha “grada”, mal dava para mexer os olhos e, possivelmente, esse tenha sido o grande motivo de meu enlevo, pois a magia em fazer dobrar o espaço na carroceria despertava meu instinto sádico e causava frouxos de riso. Ria-me tanto que depois precisava correr em busca de uma árvore com o intuito de desinflar a bexiga para não encharcar as calças.
Sempre me perguntei o porquê do nome “parada”, se o que menos existia era estaticidade nos desfiles do Sete de Setembro. Nas calçadas e sacadas a muvuca corria solta, na avenida, milico e viaturas enfileirados, tal qual “tetas” em barriga de porca, assim mesmo, par a par, ainda que os pares se juntassem formando carreiras de quatro ou seis colunas em movimento sincronizado. Alguém tentou, não lembro quem, justificar o nome “parada”, pelo fato de as tropas e colégios reunirem-se num certo ponto para dali iniciarem o desfile, mas qual parada, qual nada, ali sim era um nervosismo total; arruma aqui, ajeita ali, puxa, estica, desentorta, e ainda existia alguém para enfileirar e colunar as brigadas irrequietas dos estudantes ansiosos para entrar na avenida de passo certo e abanar aos seus que, empertigados buscavam superiorizar as cabeças e destampar os sorrisos para mostrar que estavam ali curtindo os seus, estudantes ou milicos, fossem quais fossem.
Tá certo que, curtindo e muvuca não eram termos utilizados na época da qual me refiro, e muito pouco usados na atual, termos decadentes, diria, ainda assim, prevalecendo-me da diversidade lingüística, permito-me utilizá-los neste texto sem qualquer constrangimento e, sigura ai; o tá e o sigura, na contramão da gramática formal, também entram no meu prevalecimento linguístico.
Bem! Mas, toda essa pataquada de parada do Sete de Setembro, pata choca e coisa e tal, tem uma finalidade maior que é falar do convite que recebi de um colega - enquanto comprava tainha no mercado público de Floripa -, para promover a “Parada da Diversidade Linguística”.
- Existe parada pra tudo; disse o colega. E destrinchou a lista. - Parada da diversidade; marcha da maconha; marcha das vagabundas, carnaval na avenida, festival de Parintins e por ai vai.
Tentei argumentar que; parada, marcha e festival não é a mesma coisa, mas ao escutar em alto e bom tom que estava sendo preconceituoso, coloquei a mão sobre o bolso da calça e calei ao me imaginar pagando uma indenização cabeluda. O colega continuou.
- Tanta merda acontecendo nesse país, tanta marcha inútil. Tentei interromper para dizer que, agora ele estava utilizando-se de preconceito, mas diante da matraca que disparava incessantemente, escutei.
- Uma pilha de vagabundo roubando nossos impostos, a imoralidade desfilando espalhafatosamente e a criminalidade que deveria ser retirada das ruas, sendo posta de volta ao cotidiano. Puta merda, colega, vamo nessa, é preciso comemorar quando surge alguma coisa que preste. - Veja bem! Agora posso falar como fala o nosso povo, como fala as pessoa no dia-a-dia; essa é nossa cara e ninguém vai muda isso, portanto, é preciso grita pra que todos ouça como nóis fala, é assim que a gente somos e assim temos que continua, sendo nóis mesmo; isso ai, na universidade somos acadêmicos, no social formais, mas na comunidade e em casa, nóis é nóis mesmo.
Aquilo não era mais um convite, e nem intimidação; era um discurso efusivo.
- Nóis tem que acaba com a discriminação, inclusive, com essa parada de língua culta; qué dizê que a língua do povão é inculta? È não, isso é diversidade; viva a linguística e viva o século no qual o Brasil descobriu a riqueza oral de seu povo.
- E daí? Vamo fazê a parada lingüística pra comemora esse adianto?
O manézinho da banca que assuntava calado fez um psiu e, desabafou.
- Ô meu quiridu, tão fazendu u qui tinha qui fazê há muito tempo, qui era pará cum essa frescura di discriminação; língua pobre, língua rica... Nóis tudo si comunica i si intendi; num é, quiridu?
A entrada gaiata do Mané engrossou o caldo e me colocou numa sinuca de bico, mas, como todo bom brasileiro desci do salto acadêmico e tasquei.
- Tai! Vamo nessa, parcero, essa parada tem que saí mesmo.
Imaginava eu que, depois de sair dos pampas, gauderiar por esse território continental culturalmente riquíssimo em tradições e diversidade lingüística, sentar praça na bela e Santa Catarina e “bilinguar”, por tempos, um “cataucho” criticado por muitos, tornar-me-ia “pluriguês”, ou seja, um falante plural da diversidade lingüística brasileira.
Depois de alguns segundos de reflexão, retomei a palavra.
- Concordo plenamente com o movimento, apenas questiono; por que não “Movimento Babelístico Nacional”? ao invés de “Parada da Diversidade Linguística”. Até porque, diversidade; parada; marcha e desfile são termos que geram certa ambiguidade, e assim, tornamos o “MBN” claro e essencialmente brasileiro. Que tal?
Nossos traseiros já estavam acomodados nas cadeiras do bar e a segunda garrafa de cerveja acabava de emborcar sobre meu copo, quando o colega saindo do silêncio ao qual tinha se enfurnado no primeiro gole, rabujou.
– Perai, gaúcho; essa sigla tá com cara de partido político.