Alma de Escritor

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CEDEM SUAS MÃOS PARA SEREM USADAS
COMO INSTRUMENTO DIVINO.



quarta-feira, 13 de julho de 2011









Pluridialetalismo: A Babelística Brasileira

Celso da Silva (Protegido por Direitos autorais)

Embeveci meus olhos na infância, ao menos na mais tenra, com a visão de tanques de guerra, caminhões militares, jipes, canhões e milicos batendo coturnos no asfalto das grandes e largas avenidas das cidades em que morei. Uma viatura, em especial, “a pata choca”, atraía meu olhar e me mantinha com atenção pregada nela por todo o deslocamento. Poucos conhecem a legítima pata choca, por isso vou descrevê-la da melhor forma possível; era assim: a cara era de um jipe, bem! Mas nem todo mundo conhece as feições de um verdadeiro jipe militar; perai. Vou descrever detalhadamente alguns aspectos.
Quanto ao perai; antes que surjam críticas... pedirei-vos que respeitem a diversidade lingüística.
A fachada da pata choca, ou do jipe “Willis”, compunha-se de uma grade fronteando o radiador, e abaixo dela, por sobre o pára-choque, um rolo de cabo de aço segurando um gancho que, nos atoleiros, garantia a integridade da viatura. Ladeando as grades, dois faróis ressaltados por debaixo da pala - como se fosse um rosto debaixo de um boné engolido pelo capô -, onde apenas a pala tinha ficado de fora da boca e, não confundam boné, com “bibico”, este pertence ao fardamento militar, de passeio, e não tem pala, mas deixe estar, continuemos a entender a pata choca.
O frontal com cara de jipe e os faróis escondendo-se por debaixo da pala do boné, estampavam a figura caricata de um moleque levado espiando de esguelha. Mas o que mais encantava era a carroceria larga e escarranchada que alguns chamavam de “anca de boa parideira”, essa se parecia com a dita pata que, em tempos de choco arrepia as penas alargando demasiadamente a traseira para acobertar uma “renca” de ovos. Falando em “renca”, que quer dizer “muito”, e “bibico” que é um gorro de costura única e reta em cima fazendo dois bicos, solicito uma breve folheada no dicionário; os termos estão lá.
Para ser mais explícito, era uma carroceria em formato de lata de sardinha miúda que por sua largura permitia acomodarem-se muitos milicos, com certo conforto, exceto quando o motorista arrancava, freava bruscamente e o comandante mandava subir outro tanto; daí sim! Era uma lata de sardinha “grada”, mal dava para mexer os olhos e, possivelmente, esse tenha sido o grande motivo de meu enlevo, pois a magia em fazer dobrar o espaço na carroceria despertava meu instinto sádico e causava frouxos de riso. Ria-me tanto que depois precisava correr em busca de uma árvore com o intuito de desinflar a bexiga para não encharcar as calças.
Sempre me perguntei o porquê do nome “parada”, se o que menos existia era estaticidade nos desfiles do Sete de Setembro. Nas calçadas e sacadas a muvuca corria solta, na avenida, milico e viaturas enfileirados, tal qual “tetas” em barriga de porca, assim mesmo, par a par, ainda que os pares se juntassem formando carreiras de quatro ou seis colunas em movimento sincronizado. Alguém tentou, não lembro quem, justificar o nome “parada”, pelo fato de as tropas e colégios reunirem-se num certo ponto para dali iniciarem o desfile, mas qual parada, qual nada, ali sim era um nervosismo total; arruma aqui, ajeita ali, puxa, estica, desentorta, e ainda existia alguém para enfileirar e colunar as brigadas irrequietas dos estudantes ansiosos para entrar na avenida de passo certo e abanar aos seus que, empertigados buscavam superiorizar as cabeças e destampar os sorrisos para mostrar que estavam ali curtindo os seus, estudantes ou milicos, fossem quais fossem.
Tá certo que, curtindo e muvuca não eram termos utilizados na época da qual me refiro, e muito pouco usados na atual, termos decadentes, diria, ainda assim, prevalecendo-me da diversidade lingüística, permito-me utilizá-los neste texto sem qualquer constrangimento e, sigura ai; o tá e o sigura, na contramão da gramática formal, também entram no meu prevalecimento linguístico.
Bem! Mas, toda essa pataquada de parada do Sete de Setembro, pata choca e coisa e tal, tem uma finalidade maior que é falar do convite que recebi de um colega - enquanto comprava tainha no mercado público de Floripa -, para promover a “Parada da Diversidade Linguística”.
- Existe parada pra tudo; disse o colega. E destrinchou a lista. - Parada da diversidade; marcha da maconha; marcha das vagabundas, carnaval na avenida, festival de Parintins e por ai vai.
Tentei argumentar que; parada, marcha e festival não é a mesma coisa, mas ao escutar em alto e bom tom que estava sendo preconceituoso, coloquei a mão sobre o bolso da calça e calei ao me imaginar pagando uma indenização cabeluda. O colega continuou.
- Tanta merda acontecendo nesse país, tanta marcha inútil. Tentei interromper para dizer que, agora ele estava utilizando-se de preconceito, mas diante da matraca que disparava incessantemente, escutei.
- Uma pilha de vagabundo roubando nossos impostos, a imoralidade desfilando espalhafatosamente e a criminalidade que deveria ser retirada das ruas, sendo posta de volta ao cotidiano. Puta merda, colega, vamo nessa, é preciso comemorar quando surge alguma coisa que preste. - Veja bem! Agora posso falar como fala o nosso povo, como fala as pessoa no dia-a-dia; essa é nossa cara e ninguém vai muda isso, portanto, é preciso grita pra que todos ouça como nóis fala, é assim que a gente somos e assim temos que continua, sendo nóis mesmo; isso ai, na universidade somos acadêmicos, no social formais, mas na comunidade e em casa, nóis é nóis mesmo.
Aquilo não era mais um convite, e nem intimidação; era um discurso efusivo.
- Nóis tem que acaba com a discriminação, inclusive, com essa parada de língua culta; qué dizê que a língua do povão é inculta? È não, isso é diversidade; viva a linguística e viva o século no qual o Brasil descobriu a riqueza oral de seu povo.
- E daí? Vamo fazê a parada lingüística pra comemora esse adianto?
O manézinho da banca que assuntava calado fez um psiu e, desabafou.
- Ô meu quiridu, tão fazendu u qui tinha qui fazê há muito tempo, qui era pará cum essa frescura di discriminação; língua pobre, língua rica... Nóis tudo si comunica i si intendi; num é, quiridu?
A entrada gaiata do Mané engrossou o caldo e me colocou numa sinuca de bico, mas, como todo bom brasileiro desci do salto acadêmico e tasquei.
- Tai! Vamo nessa, parcero, essa parada tem que saí mesmo.
Imaginava eu que, depois de sair dos pampas, gauderiar por esse território continental culturalmente riquíssimo em tradições e diversidade lingüística, sentar praça na bela e Santa Catarina e “bilinguar”, por tempos, um “cataucho” criticado por muitos, tornar-me-ia “pluriguês”, ou seja, um falante plural da diversidade lingüística brasileira.
Depois de alguns segundos de reflexão, retomei a palavra.
- Concordo plenamente com o movimento, apenas questiono; por que não “Movimento Babelístico Nacional”? ao invés de “Parada da Diversidade Linguística”. Até porque, diversidade; parada; marcha e desfile são termos que geram certa ambiguidade, e assim, tornamos o “MBN” claro e essencialmente brasileiro. Que tal?
Nossos traseiros já estavam acomodados nas cadeiras do bar e a segunda garrafa de cerveja acabava de emborcar sobre meu copo, quando o colega saindo do silêncio ao qual tinha se enfurnado no primeiro gole, rabujou.
– Perai, gaúcho; essa sigla tá com cara de partido político.

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